Carta aberta do prof. Ferdinand Röhr à comunidade de alunos, funcionários e professores do Centro de Educação
A
velha/nova/atualíssima questão da paridade está tomando conta do Centro de
Educação nos últimos dias. Sinto-me na obrigação de contribuir com algumas
reflexões e uma proposta. Não vou entrar na polêmica sobre o processo
aligeirado em que a paridade foi aprovada, nem na discussão da estratégia de
criar fatos para influenciar a aprovação da Estatuinte da UFPE, como também na
questão, não levantada ainda, da sistemática, dos critérios e da instância que
vai julgar, no fim de um ano, a permanência do Conselho Experimental. Se for
paritária, proponho-me a dar um palpite seguro já. Vou me restringir ao ponto
que me parece o nevrálgico. A universidade é uma instituição criada e
sustentada pela sociedade, via poder político instituído nela. As tarefas
essenciais que lhe conferem são tarefas acadêmicas: ensino, pesquisa e
extensão. A sociedade atribui a responsabilidade para o cumprimento dessas
tarefas aos docentes da universidade. A proposta da paridade consiste na ideia
de transferir um terço dessa responsabilidade para os servidores e outro para
os alunos. O teor da argumentação em prol dessa mudança é “que o
conservadorismo dos professores, comprovado historicamente (uso a expressão
mais moderada que apareceu na discussão do último Conselho Aberto), tem que ser
quebrado, pois é a vez das forças mais progressistas, a saber, os servidores e
estudantes. A questão é uma questão de poder!” O fato de que os professores
(conservadores?) do Conselho Departamental votaram a favor do princípio da
paridade parece, diante dessa argumentação, ato de astúcia do Espírito Absoluto
hegeliano. Naturalmente, a questão do poder tem importância na convivência
humana. Ganhou um espaço enorme com a proclamação nietzschiana da “verdadeira”
realização do homem na “vontade voltada para o poder” (na minha percepção a
tradução mais próxima ao Wille zur Macht),
que encontrou em tempos recentes seguidores intelectuais, principalmente na
França e em seguida no Brasil. É sempre bom lembrar que não foi muito difícil
utilizar partes da filosofia de Nietzsche na propaganda nazista na Alemanha. Na
minha percepção é exatamente a importância e natureza da questão do poder que
nos obrigam a tratar essa temática não como única, isolada e central. Se
queremos que o poder não seja utilizado em termos ideológico-egoísta-interesseiros,
necessitamos reconhecer como base do poder legítimo a responsabilidade. A minha questão central é se os professores
podem transferir a responsabilidade em prol das questões acadêmicas para
não-docentes? Não tenho competência para julgar essa questão em termos
jurídicos. Em termos filosófico-éticos acredito que não, pelo menos enquanto a
própria sociedade, que sustenta a universidade, atribui a responsabilidade nas
questões acadêmicas aos professores. É difícil imaginar que a nossa sociedade
responsabilize os servidores e alunos por fragilidades acadêmicas da
universidade. Mesmo os docentes desejando transferir a responsabilidade, ela
permanece, de fato, com eles. Se falo aqui de sociedade, não tenho em mente
somente o segmento “mais progressista” dela, que, conforme a história mais
recente nos ensina, não é totalmente imune a mutações significativas na hora em
que assume o poder, como cada nova geração progressista nos quer fazer crer.
Contra
a minha argumentação, foi alegado que servidores e alunos também são
responsáveis, são cidadãos, têm família etc. Trata-se de um equívoco lógico. A
identificação da responsabilidade atribuída a um segmento não implica na
afirmação da irresponsabilidade dos outros, nem no uso responsável do poder, de
fato, pelos professores. Não precisamos de grandes capacidades de observação
para perceber que há pessoas responsáveis e irresponsáveis em todos os
segmentos da sociedade, portanto, também entre os estudantes, servidores e, os
meus colegas me desculpem, entre os professores. Porém, de quem pode ser
cobrada legitimamente a responsabilidade pelas questões acadêmicas, bem ou mal,
é dos professores que se formaram e foram selecionados e admitidos para assumir
tal responsabilidade.
Essa
minha argumentação não implica na negação da paridade em todas as questões
relevantes ao Centro de Educação. As questões acadêmicas estão inseridas numa
vida comunitária que implica em assuntos que dizem respeito à convivência de
todos os três segmentos, com importantes repercussões para a vida acadêmica
propriamente dita. Todas os assuntos não estritamente acadêmicos podem ser
delegados a um conselho que chamo provisoriamente Conselho Comunitário. A
questão crucial desta minha proposta é como distinguir assuntos estritamente
acadêmicos dos comunitários. De forma alguma reservo para os comunitários
apenas tarefas como decidir sobre a organização da festa natalina ou
semelhantes. A distribuição e aplicação de verbas, por exemplo, não atreladas
expressamente a assuntos de ensino, pesquisa e extensão, podem, na minha
opinião, ser decididas pelo Conselho Comunitário. Outras temáticas, como
mudanças no formato do Curso de Pedagogia ou a aprovação de projetos ou
pareceres de pesquisa e extensão são nitidamente acadêmicas. Nos casos de
dúvida, não vejo outra saída a não ser atribuir ao Conselho Departamental a
decisão sobre que assuntos podem ser delegados ao Conselho Comunitário. Na
minha percepção, deve ser a grande maioria. Como o atual Conselho abriu,
inicialmente, mão de todas as questões, não vejo perigo algum de que ele seja
restrito demais nesse julgamento. Ademais, os membros do Conselho Departamental
são todos eleitos e aos eleitores cabe eleger candidatos que se comprometam a
manter essa abertura também no futuro. Vale ressaltar, finalmente, que com esta
proposta se garante a possibilidade tanto da experiência concreta de formação
cidadã dos alunos no Centro, quanto de maior engajamento dos funcionários nas
responsabilidades do mesmo. O Conselho Comunitário também não precisaria
obedecer às regras regimentais como quórum, que se torna mais difícil com maior
número de participantes.
Concluo
com duas observações: 1) No último Conselho Aberto existiam apelos tanto de
alunos quanto de professores para manter o respeito diante dos que têm uma
visão diferente da própria. Para além do apelo: Difícil acreditar que uma
pessoa que age desrespeitosamente a fim de assumir o poder, mesmo que seja “só”
verbalmente, converta-se em uma pessoa responsável na hora da conquista do
poder. 2) Alguns chamaram determinadas leis de obsoletas e ultrapassadas. Se
isso é de fato assim, elas precisam ser modificadas. Nesse processo, porém, é
necessário observar os procedimentos legais de mudança, para garantir a
preservação da democracia.
Grande
abraço para todos!
Ferdinand
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