quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Carta aberta do prof. Ferdinand Röhr à comunidade de alunos, funcionários e professores do Centro de Educação

Carta aberta do prof. Ferdinand Röhr à comunidade de alunos, funcionários e professores do Centro de Educação

A velha/nova/atualíssima questão da paridade está tomando conta do Centro de Educação nos últimos dias. Sinto-me na obrigação de contribuir com algumas reflexões e uma proposta. Não vou entrar na polêmica sobre o processo aligeirado em que a paridade foi aprovada, nem na discussão da estratégia de criar fatos para influenciar a aprovação da Estatuinte da UFPE, como também na questão, não levantada ainda, da sistemática, dos critérios e da instância que vai julgar, no fim de um ano, a permanência do Conselho Experimental. Se for paritária, proponho-me a dar um palpite seguro já. Vou me restringir ao ponto que me parece o nevrálgico. A universidade é uma instituição criada e sustentada pela sociedade, via poder político instituído nela. As tarefas essenciais que lhe conferem são tarefas acadêmicas: ensino, pesquisa e extensão. A sociedade atribui a responsabilidade para o cumprimento dessas tarefas aos docentes da universidade. A proposta da paridade consiste na ideia de transferir um terço dessa responsabilidade para os servidores e outro para os alunos. O teor da argumentação em prol dessa mudança é “que o conservadorismo dos professores, comprovado historicamente (uso a expressão mais moderada que apareceu na discussão do último Conselho Aberto), tem que ser quebrado, pois é a vez das forças mais progressistas, a saber, os servidores e estudantes. A questão é uma questão de poder!” O fato de que os professores (conservadores?) do Conselho Departamental votaram a favor do princípio da paridade parece, diante dessa argumentação, ato de astúcia do Espírito Absoluto hegeliano. Naturalmente, a questão do poder tem importância na convivência humana. Ganhou um espaço enorme com a proclamação nietzschiana da “verdadeira” realização do homem na “vontade voltada para o poder” (na minha percepção a tradução mais próxima ao Wille zur Macht), que encontrou em tempos recentes seguidores intelectuais, principalmente na França e em seguida no Brasil. É sempre bom lembrar que não foi muito difícil utilizar partes da filosofia de Nietzsche na propaganda nazista na Alemanha. Na minha percepção é exatamente a importância e natureza da questão do poder que nos obrigam a tratar essa temática não como única, isolada e central. Se queremos que o poder não seja utilizado em termos ideológico-egoísta-interesseiros, necessitamos reconhecer como base do poder legítimo a responsabilidade. A minha questão central é se os professores podem transferir a responsabilidade em prol das questões acadêmicas para não-docentes? Não tenho competência para julgar essa questão em termos jurídicos. Em termos filosófico-éticos acredito que não, pelo menos enquanto a própria sociedade, que sustenta a universidade, atribui a responsabilidade nas questões acadêmicas aos professores. É difícil imaginar que a nossa sociedade responsabilize os servidores e alunos por fragilidades acadêmicas da universidade. Mesmo os docentes desejando transferir a responsabilidade, ela permanece, de fato, com eles. Se falo aqui de sociedade, não tenho em mente somente o segmento “mais progressista” dela, que, conforme a história mais recente nos ensina, não é totalmente imune a mutações significativas na hora em que assume o poder, como cada nova geração progressista nos quer fazer crer.
Contra a minha argumentação, foi alegado que servidores e alunos também são responsáveis, são cidadãos, têm família etc. Trata-se de um equívoco lógico. A identificação da responsabilidade atribuída a um segmento não implica na afirmação da irresponsabilidade dos outros, nem no uso responsável do poder, de fato, pelos professores. Não precisamos de grandes capacidades de observação para perceber que há pessoas responsáveis e irresponsáveis em todos os segmentos da sociedade, portanto, também entre os estudantes, servidores e, os meus colegas me desculpem, entre os professores. Porém, de quem pode ser cobrada legitimamente a responsabilidade pelas questões acadêmicas, bem ou mal, é dos professores que se formaram e foram selecionados e admitidos para assumir tal responsabilidade.
Essa minha argumentação não implica na negação da paridade em todas as questões relevantes ao Centro de Educação. As questões acadêmicas estão inseridas numa vida comunitária que implica em assuntos que dizem respeito à convivência de todos os três segmentos, com importantes repercussões para a vida acadêmica propriamente dita. Todas os assuntos não estritamente acadêmicos podem ser delegados a um conselho que chamo provisoriamente Conselho Comunitário. A questão crucial desta minha proposta é como distinguir assuntos estritamente acadêmicos dos comunitários. De forma alguma reservo para os comunitários apenas tarefas como decidir sobre a organização da festa natalina ou semelhantes. A distribuição e aplicação de verbas, por exemplo, não atreladas expressamente a assuntos de ensino, pesquisa e extensão, podem, na minha opinião, ser decididas pelo Conselho Comunitário. Outras temáticas, como mudanças no formato do Curso de Pedagogia ou a aprovação de projetos ou pareceres de pesquisa e extensão são nitidamente acadêmicas. Nos casos de dúvida, não vejo outra saída a não ser atribuir ao Conselho Departamental a decisão sobre que assuntos podem ser delegados ao Conselho Comunitário. Na minha percepção, deve ser a grande maioria. Como o atual Conselho abriu, inicialmente, mão de todas as questões, não vejo perigo algum de que ele seja restrito demais nesse julgamento. Ademais, os membros do Conselho Departamental são todos eleitos e aos eleitores cabe eleger candidatos que se comprometam a manter essa abertura também no futuro. Vale ressaltar, finalmente, que com esta proposta se garante a possibilidade tanto da experiência concreta de formação cidadã dos alunos no Centro, quanto de maior engajamento dos funcionários nas responsabilidades do mesmo. O Conselho Comunitário também não precisaria obedecer às regras regimentais como quórum, que se torna mais difícil com maior número de participantes.
Concluo com duas observações: 1) No último Conselho Aberto existiam apelos tanto de alunos quanto de professores para manter o respeito diante dos que têm uma visão diferente da própria. Para além do apelo: Difícil acreditar que uma pessoa que age desrespeitosamente a fim de assumir o poder, mesmo que seja “só” verbalmente, converta-se em uma pessoa responsável na hora da conquista do poder. 2) Alguns chamaram determinadas leis de obsoletas e ultrapassadas. Se isso é de fato assim, elas precisam ser modificadas. Nesse processo, porém, é necessário observar os procedimentos legais de mudança, para garantir a preservação da democracia.

Grande abraço para todos!
            Ferdinand

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